Ela via a sombra desde pequena, sempre pelos cantos, espiando e correndo de um lado para o outro. Nessa época, corria atrás dela até os pulmões perderem o fôlego, até mesmo em dias ensolarados, em que mal se formava uma sombra de árvore, era possível a encontrar se esgueirando por entre as frestas escuras.
Quando já grande, ela parou de perseguir a sombra, ao mesmo em que a própria parou de se esconder, se aproximando lentamente da menina, até o momento em que ela não soube dizer quando a companheira chegou, nem se um dia iria partir.
A sombra a acompanhava para todos os lugares, mas se fazia mais alegre e presente a noite. Principalmente, durante noites em que voltava para casa de madrugada, sozinha pelas ruas silenciosas, com as luzes dos postes se cruzando e criando duas, três, até quatro sombras distintas, de tamanhos, larguras e formas diversas, enquanto a menina caminhava. Depois desses últimos acontecimentos, a menina começou a se esforçar para não produzir sombras, pois agora elas a amedrontavam, fazendo notar que a que mais temia era a que a seguia desde a infância.
Dessa forma, o jogo virou, e quem antes perseguia, era perseguida. A menina não mais evitava, como fugia veementemente de sua perseguidora. Como não havia notado antes? A sombra queria apenas uma brecha para roubar, mesmo que não soubesse o que teria de bom para ser roubado, ela sabia que ocorreria.
Na última madrugada que percorria só, deu de frente com uma forma escura e maciça ao virar a esquina. Se apavorou ao perceber que era ela, e a que a sombra da morte finalmente a encarava face a face.