Desde muito pequena me consideram mulher, então agi como tal. Sorri, caminhei, tive postura, me contive, ri em silencio, comi de boca fechada, usei saias e fiquei de pernas fechadas. Não me preocupei, diziam me proteger. Proteção não tem conversa, proteção tem gritos. Gritos que batem na face, sem mesmo precisar a tocar. Face que se lembra, mas estava tudo bem, estavam me protegendo. Quando comecei a me sentir mulher, os perigos aumentaram, como se já não fossem o bastante antes disso.
Podia fazer uma coisa com certeza todos os dias, tomar algumas xícaras de café enquanto as pessoas iam trabalhar pela manhã. De tantas variáveis possíveis para mim, café era o ponto de encontro da certeza que poderia ficar tranquila por aquele momento. Acaba que pouco depois de me sentir mulher, voltei a ser criança, pois até mesmo café foi limitado. E só crianças não podem tomar café.
Os dias ficaram maiores, longos, quentes, cansativos. A brasa que me mantinha acordada estava querendo se apagar.
Foi logo no ultimo dia que eu poderia sentar à varanda que aconteceu. Andando com pés leves, gingando como se ouvisse música no último volume, o caminhar de um malandro. Suas roupas balançavam a sua volta, muito maiores do que o corpo magro precisava. O cabelo crespo escapava por debaixo do boné, e sua pele negra, me fez vidrar em sua persona. Se recostou em uma parte da cerca mais próxima, olhou em meus olhos e me ofereceu um cigarro. Aceitei.
No mesmo passo que ele apareceu, falou sobre a recessão que viria sobre os países do norte e elogiou o nascer do Sol que ocorreu a pouco, ele se foi. Com ele se foi o ultimo vislumbre de luz, e eu finalmente soube, eu nunca vou escapar.
