A menina cabeça de repolho

Era uma vez uma menina velha, mas muito nova, um tanto diferente, mesmo muito comum. Ela sempre esteve só, bem, não tão só. Morava em uma casa cheia de parentes, não realmente família, porém tinham o mesmo sangue. Todos eram indiferentes uns com os outros, sempre idênticos em tudo.

Acaba que a menina era a velha mais nova de lá. Isso não fazia diferença, ela cuidou de si desde que se lembra, e aprendeu a arte de ser igual a eles, apática.

Com 10 anos decidiu que devia caminhar para a vida adulta e se matriculou em uma escola a poucas quadras de onde morava.

Era velha para começar a ser alfabetizada, mas isso seria a última coisa que poderia deixar acanhada, dificilmente conseguiram a deixar constrangida. Ninguém seria capaz de ensinar isso, era muito fechada, alguns a chamariam de “cabeça de repolho”, pois pelas folhas serem lacradas em torno de si mesmo.

Nos dias que se seguiram, não encontrou dificuldade no estudo. Não era excelente, também não era mediana, era boa, apenas. 

Mesmo assim, ela não conseguia se relacionar bem com seus colegas. A professora observou e pensou que poderia ser a diferença de idade entre ela e os demais, começou a realizar atividades em grupo na tentativa de unir a turma. Até que surtiu efeito.

A menina fez amizade com uma pessoa, para sua própria surpresa, a quem se permitir a proximidade, mesmo que mínima. Dançou com a amizade na festa junina, pegou doces de São Cosme e Damião (nunca foram à igreja), cantaram músicas do dia das crianças no coral dos primeiros anistas (a família dela não foi).

Em casa, as coisas estavam mudando. Seu pai foi embora, pouco tempo depois seus irmãos começaram a debandar. Quando se deu conta, estava só com sua mãe. De forma inconsciente, começou a contar os dias para a mãe, essa sempre concordava, apenas com a cabeça, mas ainda ouvindo.

No final do ano, poucos dias após seu aniversário, a pessoa com a qual dividia tantas memórias e alegrias (após tantos anos de apatia completa), mudou. Já não se cumprimentava, e fingia mesmo nem saber seu nome. A menina experimentou pela primeira vez a angústia cortante de palavras não ditas. Buscou entender mas não havia como.

Os dias finais de estudo foram tristes, ela voltou a ser um repolho. Em casa parou de importunar a mãe, ela já não tinha nenhuma felicidade para contar. Ela agora não queria mais deixar de ser só.

Deixe um comentário